Campus de Goiabeiras - Vitória

Beira-Mar

CORPOS TENSOS

por Gustavo Guilherme*

Há uma tentativa de registro sensorial em Beira-Mar, primeiro longa-metragem dos diretores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon.

No filme, o jovem Tomaz (Maurício José Barcellos) acompanha seu amigo Martin (Mateus Almada), que precisa visitar familiares distantes e buscar um documento para seu pai, em uma viagem de inverno ao litoral gaúcho. Hospedados em uma casa à beira-mar, os jovens descobrirão mais um sobre o outro e sobre si mesmos.

Na intenção de sustentar um filme simples, sem muitas reviravoltas e permeado por poucos diálogos, que parece descrer da causalidade de ações como força motriz (ponto positivo) de uma narrativa que pouco evolui ao decorrer da projeção, Beira-Mar aposta no intimismo de uma câmera que está sempre muito próxima de seus atores, submissa a sua presença no quadro, registrando-os como quem tenta mapear seus corpos em busca de gestos mínimos que revelem o não dito, que capturem a textura juvenil de seus rostos à procura de suas vibrações e intensidades, a vulnerabilidade e inconstância dos corpos que, a princípio, pouco se tocam, sobrepostos ao cenário frio de um litoral em tempos invernosos.

Destarte, enquanto Martin e Tomaz brincam no videogame para passar o tempo, caberá a essa câmera “percorrer trechos” de seus corpos (ombros, tórax, pescoços, rostos) simulando, dentro do enquadramento proposto, outra ação que não a de jogar videogame – e não é a toa que o que aqui se simula é uma virtual cena de masturbação. Ou, ainda, em determinada cena, quando os protagonistas se veem confinados em um cômodo da casa, pagando a prenda de uma partida de “verdade ou consequência”, o que a câmera parece buscar, entre sombra e silêncio, é o registro dos olhares incertos, dos corpos trêmulos e tensos, um registro físico da incomunicabilidade que se traduz em pequenos gestos, na postura curvada e titubeante de Tomaz que, incomodado, acende a luz.

E é mesmo esse olhar capturado pela intensidade pulsante das presenças filmadas o que há de mais interessante em Beira-Mar. É ele, condicionado ao cenário gélido e curioso da praia no inverno, que constitui a verdadeira força motriz do filme. Afinal, a trama familiar de Martin, que pouco se desenvolve (ou desenvolve-se mal) não resultará em nada senão numa espécie de justificativa frágil e superficial para que ele, no desfecho do filme, reconheça seus medos e tome coragem para fazer suas escolhas. Desfecho esse que, talvez, jamais teria tal força não fosse pela insistência desse olhar afetado pelos corpos, juvenis, inconstantes, trêmulos de desejos e que, ao fim, suavemente, transbordam e contaminam o quadro, o plano, a cena, o filme – o espectador?

Talvez, Beira-Mar almeje ser um filme nobre sobre a sutileza bruta das construções sociais que reprimem o desejo – a ligação telefônica de Martin para o pai, nos minutos finais da projeção, expõe claramente essa vontade. Mas, ao fim, funciona melhor como um registro intimista, quase sensorial, das descobertas silenciosas, das escolhas incontornáveis de corpos que vibram e desejam, e das desconstruções perenes que não cabem no mundo. Isso sob a tutela de uma câmera que só se desprende dos corpos na panorâmica final para imergir, enfim, na infinidade aparente do mar.
 

*Gustavo Guilherme é estudante do curso de Cinema e Audiovisual da UFES.

Beira-Mar, de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon (Brasil, 2015, cor, 83’) está em cartaz no Cine Metrópolis nos seguintes dias e horários:

Quinta (12): 16h30
Sexta (13): 15h e 20h30
Sábado (14): 16h30
Domingo (15): 15h e 20h30
Segunda (16), Terça (17) e Quarta (18): 20h30

 

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